quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sangue na Escola


Rodolfo estava no canto da sala. Era mais um dia que teria que enfrentar as risadas e os dedos impostos pelos colegas de classe. Ele não sabia mais o que fazer. Via vídeos e mais vídeos de gente que entrava, na escola, armada para fazer justiça com as suas próprias mãos; porém, aquele não era o perfil do menino. Ele queria mais, não desejava que ninguém morresse sem ver que estava errado; queria que todos percebessem que aquilo era um erro... Não deveriam tratá-lo daquela forma.

Foi pensando assim que decidiu acordar e ir para a escola por mais um dia. Não havia seguido o conselho do seu amigo Pedro que, não agüentando a pressão do bullying, saiu do colégio. Estavam na última aula antes do intervalo. O professor havia pedido que se separassem em grupos, porém ninguém havia escolhido o Rodolfo. Por mais uma vez, ele teve que permanecer, no canto da sala, fazendo o seu trabalho sozinho. O professor, por sua vez, não interferia nas atitudes dos garotos que, de tempo em tempo, olhavam pra trás e davam risada da cara do solitário estudante.

A aula havia terminado, todos os estudantes, euforicamente, se levantaram e abandonaram a sala de aula para se divertir ao intervalo. Sorriam, brincavam, cantavam, namoravam... E o Rodolfo continuava no mesmo canto de todos os dias; observando a todos e percebendo que eles eram felizes. Por um momento, sentiu inveja... Queria ser como eles. Não queria ser feio como era, não queria ser inteligente como era... Queria ser igualzinho a eles.

Quando menos esperava, percebeu que um grupo de garotas o encarava. Ele começou a ficar vermelho, sabia que elas não o estavam encarando pela sua beleza, mas sim pela sua estranheza. Ainda assim, sentiu o corpo tremer quando viu que a Paula, a loira mais linda que ele conhecia, se aproximava. “Oi, Rodolfo, tudo bem?” – Ele, sequer, conseguia acreditar que ela sabia o seu nome. – “Me encontre, em dois minutos, atrás da escada... Quero lhe fazer uma surpresa”. O garoto esperou e foi encontrar a menina linda que lhe havia prometido algo.

Ele foi se aproximando da escada e ouviu sorrisos; continuou se aproximando. Queria saber o que a Paula faria por ele. Estava ansioso, ela falara tão sério, falara tão perto dele.. Será que, pela primeira vez, iria beijar alguém? Será que ela ficara com pena dele? Ele só saberia quando a encontrasse. Chegou atrás da escada e a viu lá. Aproximou-se dela e ficou parado. “Então, o que quer fazer comigo?” – Paula havia perguntado ao garoto. “Você me disse que tinha uma surpresa pra mim.” – A garota se aproximou dele, como se fosse beijá-lo, colocou as mãos em seu peito e sorriu... Ele sorriu de volta, mas, naquele momento, ela pôde perceber que ele tinha um sorriso muito bonito, porém, a força que havia aplicado já não poderia ser desfeita. Ela o empurrou, e ele caiu em cima de um balde cheio de tinta.

T0dos começaram a gritar e a rir. Ele ficou olhando pra todos, mas não conseguia entender o que se passava. Quando menos esperava, percebeu que os dois garotos mais fortes da escola o puxavam, pelo balde, para a entrada principal. A gritaria continuou, nenhum professor ou coordenador chegava pra saber o que acontecia. Largaram-no de frente para o portão principal da escola e quase o cercaram para rir da sua cara. Ele deixara uma lágrima escapar do seu rosto. Estava triste, fora traído. De repente, se levantou, mudou a expressão em seus olhos, fechou a cara, forçou as pernas e as mãos e correu em direção à Paula.

Todos continuaram rindo, mas a cena correu como em câmera lenta nas visões de quem a presenciou. Rodolfo pulou em cima da garota e a empurrou com tudo para o chão. Naquele mesmo momento, todos ouviram um barulho muito forte vindo da porta de entrada. Olharam e viram que o Pedro estava armado e atirara na direção da Paula. Correram para cima dele. O segurança o jogou ao chão e retirou a arma da sua mão. A multidão se aproximou de Paula e Rodolfo que estavam ao chão. Quando os separaram, puderam perceber que a garota se levantava devagar, mas o garoto permanecia no chão.

Ao verem o sangue escorrer ao seu redor, se espantaram. Paula, abismada com o que acontecera, começara a chorar e a espernear. Toda a sua vida passou em seus olhos por um segundo. Não acreditava no que havia feito; porém, naquele momento, era tarde se arrepender. Rodolfo já estava morto.

sábado, 20 de agosto de 2011

O Novo Jogo

Os garotos nunca haviam ficado sozinhos em casa, mas o Michel insistia em jogar o seu novo videogame. A mãe do garoto havia saído para uma festa com o seu novo namorado, então toda a casa ficara só para os dois meninos que não iriam dormir até completar todas as fases do novo jogo que haviam lançado. Dez horas da noite era o momento exato marcado pelos dois pra se encontrarem, discutirem sobre o jogo e, então, começarem a jogar. Era muito simples, ligavam o aparelho, colocavam os óculos de 3D e, então, partiam para um mundo paralelo.

Álvaro estava, completamente, eufórico com a partida que iniciariam em poucos instantes. Michel trouxe os óculos, e ambos os puseram. A primeira fase havia iniciado; uma música muito catedrática estava se iniciando ao fundo das falas em tom grosso e convidativo. Os dois garotos sentiram as pernas tremer, não sabiam se era o contato direto com o 3D, mas sabiam que, a qualquer momento, cairiam nas poltronas.

A rua era bem larga, as casas, ao redor, tomavam toda a cidade, mas não havia ninguém ali dentro. Eles continuaram andando, lado a lado, em busca de algo que lhes indicasse qual seria a primeira missão. Depois de alguns minutos procurando, sem se separar, a dupla de amigos avistou um homem logo à frente. Michel avisou ao amigo: “Temos que ir; é ele quem nos dirá o que faremos”. – Álvaro seguiu o primeiro garoto. Chegaram bem perto do homem, que se vestia de preto e usava um chapéu que cobria o seu rosto, e lhe pediram um auxílio. “Pode nos ajudar? Somos novos aqui e precisamos saber qual a nossa missão”. – O homem, rapidamente, olhou para eles e sorriu de leve. Os garotos não entendiam o motivo. “Sei que a sua função aqui é nos guiar durante a partida” – disse Michel. O homem, ainda parado, levantou a cabeça e encarou os dois garotos; a sua face não trazia nenhum tipo de aconchego, muito pelo contrário, trazia-lhes uma tensão muito forte.

“Acho melhor irmos embora” – disse o Álvaro, mas Michel não queria ouvir tal conselho. “Ele vai ter que nos ajudar, eu paguei caro por esse jogo” – O homem sorrira ainda mais forte. Álvaro puxou o braço do amigo e começou a arrastá-lo para longe daquele homem e do beco escuro. “Eu posso ajudar vocês” – disse o homem de preto antes que os meninos se afastassem o bastante. – “Então diga o que devemos fazer” – pediu o dono do videogame. “Vocês devem partir o quanto antes” – aconselhou o homem. Michel soltou um muxoxo, virou para o seu amigo e disse: “Eu sabia, ele quer que desistamos... É assim que empresa ganha o seu dinheiro”.

Álvaro sentia que não deveria ficar, porém, seguiu o amigo... Não queria ficar sozinho. Os dois amigos continuaram andando e tentando identificar mais alguém que lhes pudesse dar alguma dica de como iniciar a missão de número um. Viram uma casa aberta, depois de muito caminharem, porém, ao adentrarem-na, perceberam que estava vazia. “Não podemos ficar aqui, não sabemos de quem é essa casa” – disse o Álvaro. “Deixa de ser estúpido, isso é só um jogo” – o outro garoto retrucou com veemência. A fase continuou vazia por, quase, uma hora. O visitante olhou em seu relógio e percebeu que já era muito mais do que meia-noite. “Michel, já é tarde, a sua mãe vai voltar... Acho melhor desligarmos por hoje”. – “Você é muito medroso...” – insistiu o outro.

Álvaro, mesmo se tremendo por dentro, continuou seguindo o amigo para mostrar-lhe que não tinha medo de nada. Os seus passos eram os únicos barulhos que podiam escutar. Entraram em mais uma casa vazia, chamaram, mas ninguém atendeu. O garoto mais novo (Álvaro) entrou em um dos quartos e chamou o amigo. O outro se aproximou e percebeu que havia roupas em cima da cama. “Venha, vamos saber de quem são” – o mais velho se aproximou e tomou as roupas; mas, na mesma hora, as janelas do quarto se abriram e um vento muito forte entrou no recinto. “O que é isso?”- perguntou Álvaro com dificuldade. – Michel segurou a roupa e gritou para o nada: “Só devolvo quando você me disser pra onde ir” – Porém, neste mesmo momento, um cachorro muito grande entrou no quarto e começou a latir para os dois. Um cachorro preto muito grande. Os garotos se assustaram e correram para uma parte do quarto em que poderiam se encolher no canto.

Quando menos esperaram, um homem entrou no quarto e lhes disse: “Eu avisei que deveriam sair o quanto antes...” – os meninos perceberam que se tratava do mesmo homem de preto do beco. “Nós não vamos sair...” – disse o Michel. – O homem se aproximou do cachorro, acariciou a sua cabeça e disse: “Se não saírem em um minuto, deverão escolher quem ficará para alimentar a cidade”. – Os garotos não entenderam o que ele queria dizer. “Está querendo nos assustar” – repetiu o garoto mais velho. – Neste momento, o homem saíra do quarto, e, por sua vez, o cachorro voltou a latir e soltar grunhidos estranhos em sua direção.

“Michel, temos que sair daqui” – pediu o outro garoto apavorado. – “Nós não sairemos daqui sem, antes, finalizar o jogo”. – A escolha fora feita. Então, os meninos ouviram um sorriso maquiavélico e um barulho enorme de uma porta se fechando. Eles tremeram. Não era a primeira vez que o Álvaro se via sem saída. Os seus olhos brilhavam com o medo e ele tentava manipular o amigo para ir embora. O cachorro tentou avançar e, neste momento, os garotos subiram na cama. Ao subirem, perceberam que uma madeira havia quebrado e a cama quase desabou. Eles estavam, novamente, no mesmo nível que o animal, que, seriamente, latia desejando as suas carnes. Michel, desesperadamente, pegou o pedaço de madeira e pulou pra cima do cachorro... O animal sofreu as várias pancadas na cabeça e teve o seu sangue jorrado por todo o quarto.

Os garotos aproveitaram e correram. Álvaro gritava sem conseguir parar, não conseguia mais voltar ao seu estado normal. Michel, vendo isso, parou e se aproximou do amigo chacoalhando-o. “Preciso que você fique quieto... Você me convenceu, vamos sair daqui... Mas, eles não podem ver a gente”. – O garoto mais novo, após ser balançado de um lado a outro, ficara parado. Não dizia uma palavra sequer, não conseguia se mexer, estava em estado de choque. Michel arrastara-o com toda a sua força para o lugar de onde vieram. Precisavam sair daquela cidade, precisavam sair daquele jogo. Continuaram andando. Michel carregava o amigo pelo ombro com muita dificuldade de se mexer. Depois de muitos metros caminhados e de sorrisos macabros ouvidos, chegaram ao portão. Michel se aproximou e leu o anúncio: “Somente passa pela porta aquele que tiver a coragem de decidir pela vida”.

Neste momento, o menino se lembrou do conselho do homem de preto: “...deverão escolher quem ficará para alimentar a cidade” – O garoto mais velho sabia que ele tentava lhe dizer que deveria deixar o amigo ali; porém, a sua mãe sempre lhe ensinara a ser homem, trouxera o seu amigo e não o deixaria. Michel continuou tentando abrir o portão, tentou fazer de tudo... Usou a sua força, mesmo infantil e usou a inteligência... Nada fazia-lhe abrir. Cansou-se e olhou para trás. Neste momento, percebeu que o Álvaro não estava mais lá. Foi até o local onde deixara-o sentado e não conseguiu enxergar o amigo. Quando se virou para voltar à porta, assustou-se com o Álvaro parado à sua frente. “Que susto que me deu...” – Quando o garoto mais velho terminou de falar, viu o movimento rápido dos braços do amigo. Com uma pedra, Álvaro começou a acertar pancadas na cabeça do outro. Michel foi caindo ao chão com o sangue escorrendo. Os seus olhos abertos não acreditavam naquilo.

Álvaro terminou de estourar a cabeça do Michel, olhou para a pedra, levantou-se do chão e ergueu a sua mão direita. “Aqui está, eu escolhi sobreviver...” – Neste momento, o homem de preto se aproximou, sorriu, retirou o chapéu e disse: “A escolha foi feita, porém, será que você consegue viver, no seu mundo, sem o seu amigo?” – o menino ficou olhando para o homem de preto e disse: “Se ele fosse meu amigo, não me traria aqui”.

Neste momento, a porta se abriu, e o garoto mais novo entrou.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Cartomante


Isabela saiu da tenda da cartomante com aquela mensagem na cabeça: “Você vai estar lado a lado com o grande amor da sua vida”. Não era a primeira vez que alguém lhe dizia algo do tipo, a mulher estava muito confiante. Há dois anos, o seu marido havia falecido; ela não conseguia esquecer a dor que lhe causava perder um grande homem como aquele, mas, agora, era diferente... Ela sabia que tinha que dar valor a sua vida, tinha que saber como viver novamente.

Numa dessas saídas para uma festa, depois de muito tempo sozinha em sua própria casa, acabou conhecendo um jovem rapaz chamado André. Os dois se conheceram, naquela noite, e ficaram juntos por muito tempo. Alguns meses se passaram, e Isabela sabia que estava se apaixonando pelo jovem rapaz. As suas amigas ficavam eufóricas com a felicidade que a amiga estava demonstrando. Mais uma vez, a frase aparecia na cabeça da mulher: “Você vai estar lado a lado com o grande amor da sua vida.”.

A paixão entre os dois foi crescendo de uma forma extraordinária... Não havia um dia que não se encontrassem, não havia um dia que não mantivessem a sua relação acesa. O sexo era bom, o prazer era fantástico e a saudade era corrosiva. Não havia mais motivos para que a Isabela ficasse longe do jovem rapaz. Certo dia, André a chamou para jantar. Os dois ficaram conversando, romanticamente, durante todo o tempo em que estiveram juntos. Ele falou como a amava, ela sorriu o seu mais sincero sorriso tentando demonstrar que o queria muito... A paixão estava crescendo. Não conseguiam mais se ver longe um do outro.

André, em um impulso amoroso, levantou-se, aproximou-se da mulher e, lentamente, mostrou-lhe uma caixa preta. Isabela olhou-o nos olhos e ficou ludibriada com aquela cena. “Você quer casar comigo?” – ele havia perguntado. Ela, sem nenhuma dúvida, olhou para ele e disse: “Sim... Eu quero me casar com você.” – Naquele momento, sentiu uma pontada em seu coração... Mais uma vez a voz da cartomante surgiu em sua mente: “Você vai estar lado a lado com o grande amor da sua vida”

Isabela, muito feliz, colocou o anel no dedo, sentiu que estava um tanto folgado, beijou o seu, então, noivo e começou a trocar carícias. O jovem rapaz perguntou se eles não poderiam sair de lá e ir para um motel... Deveriam celebrar o momento magnífico que estavam vivendo. Os dois se beijaram por muito tempo, pediram a conta e, então, partiram. Saíram do restaurante... Ele se lembrou que havia esquecido a sua jaqueta (fazia frio): “Amor, vai pedindo o táxi, porque esqueci o meu casaco lá dentro”. – Isabela concordou, viu o jovem feliz entrar no restaurante, virou-se e se aproximou do passeio para chamar um táxi. Naquele momento, ouviu uma gritaria, olhou para o lado direito e viu duas pessoas correndo em sua direção... Isabela tentou sair da frente, mas acabou se batendo com o homem que corria. Ela foi ao chão e deixou cair a sacola que segurava. A sua aliança pulou do seu dedo e correu para a pista. Desesperadamente, a mulher fora buscá-lo, mas não havia visto uma moto que vinha, em alta velocidade, na mesma direção.

O impacto fora forte o suficiente para arremessar a mulher a, quase, dois metros de onde estava. Ela sentia o sangue quente escorrer pela sua testa. Muitas pessoas se aproximavam, queriam saber o que estava acontecendo. A fraqueza tomava conta do corpo de Isabela. Então, ela viu, dentre as pessoas, a cartomante que havia lido a sua mão... “Você... Você...” – todos olharam para a velha. “Você disse que eu viveria lado a lado com o amor da minha vida...” – a cartomante abriu os olhos e sorriu para ela. “Calma, você viverá...” – Isabela não havia entendido. Então, a cartomante abriu espaço e, a mulher ao chão viu alguém se aproximar. Ela arregalou os olhos e reconheceu o ex-marido.

A cartomante estava certa, Isabela viveria lado a lado com o grande amor da sua vida, só não sabia que a velha estava se referindo ao seu ex-marido que havia morrido há dois anos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Prisioneiro do Próprio Corpo


Beto estava dormindo em sua cama; aquele feriado lhe ajudava a dormir mais. Não era muito fã de ir para a casa das outras pessoas e dormir no lugar de outrem, sempre gostara de se manter quente e acolhido no seu próprio espaço, no local em que o seu cheiro já estava impregnado. A sua mãe costumava dormir cedo, ficava bem cansada com o dia que levava e sempre caía no sono na hora da primeira novela. O seu pai, homem trabalhador e controlador, estava sempre tentando saber o que acontecia com o mundo; gostava de ver o noticiário, mas, quase sempre, acabava dormindo antes do final. Havia, por final, a sua pequena irmã que se chamava Dani.

Há algumas semanas, o garoto estava com muita dificuldade pra dormir, sempre ouvia barulhos, na sala, quando todos iam se deitar. Algumas vezes, ficava sem sonhar, a noite toda, por causa desses movimentos não desejados dentro do seu próprio quarto. Todas as vezes que isso acontecia, pedia que apagasse e não visse o que ocorria ao seu redor. - Nesta noite, tudo ia muito bem; como já esperado, às vinte e três horas, todos estavam dormindo. Em certo ponto da noite, começaram os barulhos. O corpo do Beto não conseguia se mover, o garoto tentava fazer de tudo para levantar e ir pro quarto dos seus pais; precisava, de uma vez por todas, terminar com esse martírio, mas não conseguira fazer nada, a sua mente funcionava, mas não havia movimento corporal.

O barulho foi aumentando. Desta vez, podiam-se ouvir vozes. O garoto sabia que alguém conversava no corredor entre o seu quarto e o quarto dos seus pais. A agonia tomava conta do seu íntimo. Ele queria se levantar, mas não conseguia reunir forças; era como se o seu corpo fosse mais pesado do que qualquer outra coisa que já tentara levantar. As vozes foram se aproximando aos poucos; Beto sabia que precisava sair, precisava avisar os seus pais. Porém, o que ele não esperava, era que as vozes dos seus pais se juntassem às vozes das outras pessoas que conversavam e o assustavam. “Meu Deus, o que está acontecendo? Por que os meus pais, também, falam com eles?” – A mente do garoto o importunava com essas perguntas.

A aproximação foi acontecendo e, por fim, as vozes chegaram, exatamente, ao quarto onde ele estava deitado. O seu corpo não se movia, era terrível. Era como estar enterrado em um caixão, soterrado e morrendo por asfixia. “Por favor, leve tudo, mas não faça nada com os meus filhos” – Fora, exatamente, o que o Beto ouvira a sua mãe dizer. Agora, a sua mente criara uma margem de horror muito grande, ele queria saber o que estava acontecendo, não podia fazer nada de onde estava. O seu pai tentava falar com as pessoas, mas não conseguia. O garoto ouvia a conversa e percebia que eles estavam desesperados, não queriam que nada de ruim lhes acontecesse. “Eles são tudo o que nós temos, por favor, não faça nada com eles.” – Isso havia assustado, ainda mais, o garoto que ainda não conseguira se levantar.

O primeiro baque foi ouvido. O pequeno grito, quase mudo, da mulher deixara o homem furioso. “Eu já falei que quero tudo que vocês tem aqui.” – A voz desconhecida soou mais ameaçadora. A mulher não pôde fazer nada. Ouviu-se o barulho do clique de uma arma. O pai de Beto tentou amenizar, pediu que os homens deixassem a casa, disse que não havia nada de valor ali dentro. Mais uma vez, Beto pôde ouvir os gritos da sua mãe. Ele sabia que os desconhecidos estavam fazendo algo com ela... Batiam, estapeavam e não tinham a menor pena. O garoto ouvia as súplicas da sua mãe, tentava mexer, mas não conseguia. Os seus olhos já estavam abertos. Ele conseguia ver os vultos e as imagens passando. De onde estava, percebia a movimentação, as vozes eram ouvidas, o sofrimento era sentido, mas nada podia ser feito. Ele estava, naquela situação, como um espectador.

De repente, o pai do garoto tentou investir contra os invasores e, pela primeira vez, ouviu-se o soar do tiro. O corpo de Beto se estremeceu, mas continuou imóvel. A mulher se desesperou, xingou, chamou pela filha. Tentava fazer com que o filho acordasse. Chamava o seu nome, gritava o seu apelido. Porém, nada havia de ser feito para ajudar a paralisação do garoto. Os invasores gritaram com a mulher: “Queremos a porra da grana, se você não entregar, mato a menina.” – Os olhos de Beto se arregalaram ainda mais. Não... Não podiam matar a sua pobre irmãzinha. Mais uma vez, o movimento foi agreste, forte... E o estalido se ouviu novamente. Depois de uma tentativa a mais de ameaça, outro baque fora ouvido... A arma disparara e matara a menina. “Não vou repetir... Eu quero a grana.” – Beto se lembrou... Era feriado, os vizinhos haviam viajado... Só ele poderia ajudar, mas ele não conseguia se mexer.

A mãe se jogou, na cama, tentando acordar o filho. “Pelo amor de Deus, Beto, acorde... Eles vão nos matar.” – Beto tentava se mexer, mas não conseguia. O horror em sua face era tremendamente absurdo, porém, a sua vontade não se transformava em realidade. Ele viu, com seus próprios olhos, o invasor chegando, pegando a sua mãe pelo cabelo, e dizendo pra ela: “Você escolheu... Agora, você morre...” – Lentamente, Beto viu o homem puxar um canivete e cortar o pescoço dela. Ele se desesperou... Em seu pensamento, se balançava com toda a sua força, mas, na realidade, o seu corpo não saía do lugar. Então, em seu campo de visão, apareceu o homem alto, com uma barba malfeita e com os olhos puro sangue – “drogado” – pensou ele.

“Esse é o último.” – Disse o invasor para o seu comparsa. Então, virou-se, olhou para o garoto e viu a lágrima escorrer pelo seu rosto. “É muito covarde... Nem se mexeu, não ajudou ninguém... Todos estão mortos?” – O companheiro respondeu que sim. “Mata esse também.” – O comparsa se aproximou, puxou o canivete, olhou nos olhos da sua vítima, sentiu, rapidamente, pena do garoto e passou a faca pelo seu pescoço. Naquele momento, Beto levantou-se da cama, desesperadamente, mas já não conseguia mais falar. Os homens saíram sem levar nada. Beto tentou gritar, tentou correr. Pegou o telefone, digitou o número da polícia... Mas não conseguia avisar nada. A sua voz não saía... O seu pescoço estava aberto... Não havia mais salvação.