Os garotos nunca haviam ficado sozinhos em casa, mas o Michel insistia em jogar o seu novo videogame. A mãe do garoto havia saído para uma festa com o seu novo namorado, então toda a casa ficara só para os dois meninos que não iriam dormir até completar todas as fases do novo jogo que haviam lançado. Dez horas da noite era o momento exato marcado pelos dois pra se encontrarem, discutirem sobre o jogo e, então, começarem a jogar. Era muito simples, ligavam o aparelho, colocavam os óculos de 3D e, então, partiam para um mundo paralelo.
Álvaro estava, completamente, eufórico com a partida que iniciariam em poucos instantes. Michel trouxe os óculos, e ambos os puseram. A primeira fase havia iniciado; uma música muito catedrática estava se iniciando ao fundo das falas em tom grosso e convidativo. Os dois garotos sentiram as pernas tremer, não sabiam se era o contato direto com o 3D, mas sabiam que, a qualquer momento, cairiam nas poltronas.
A rua era bem larga, as casas, ao redor, tomavam toda a cidade, mas não havia ninguém ali dentro. Eles continuaram andando, lado a lado, em busca de algo que lhes indicasse qual seria a primeira missão. Depois de alguns minutos procurando, sem se separar, a dupla de amigos avistou um homem logo à frente. Michel avisou ao amigo: “Temos que ir; é ele quem nos dirá o que faremos”. – Álvaro seguiu o primeiro garoto. Chegaram bem perto do homem, que se vestia de preto e usava um chapéu que cobria o seu rosto, e lhe pediram um auxílio. “Pode nos ajudar? Somos novos aqui e precisamos saber qual a nossa missão”. – O homem, rapidamente, olhou para eles e sorriu de leve. Os garotos não entendiam o motivo. “Sei que a sua função aqui é nos guiar durante a partida” – disse Michel. O homem, ainda parado, levantou a cabeça e encarou os dois garotos; a sua face não trazia nenhum tipo de aconchego, muito pelo contrário, trazia-lhes uma tensão muito forte.
“Acho melhor irmos embora” – disse o Álvaro, mas Michel não queria ouvir tal conselho. “Ele vai ter que nos ajudar, eu paguei caro por esse jogo” – O homem sorrira ainda mais forte. Álvaro puxou o braço do amigo e começou a arrastá-lo para longe daquele homem e do beco escuro. “Eu posso ajudar vocês” – disse o homem de preto antes que os meninos se afastassem o bastante. – “Então diga o que devemos fazer” – pediu o dono do videogame. “Vocês devem partir o quanto antes” – aconselhou o homem. Michel soltou um muxoxo, virou para o seu amigo e disse: “Eu sabia, ele quer que desistamos... É assim que empresa ganha o seu dinheiro”.
Álvaro sentia que não deveria ficar, porém, seguiu o amigo... Não queria ficar sozinho. Os dois amigos continuaram andando e tentando identificar mais alguém que lhes pudesse dar alguma dica de como iniciar a missão de número um. Viram uma casa aberta, depois de muito caminharem, porém, ao adentrarem-na, perceberam que estava vazia. “Não podemos ficar aqui, não sabemos de quem é essa casa” – disse o Álvaro. “Deixa de ser estúpido, isso é só um jogo” – o outro garoto retrucou com veemência. A fase continuou vazia por, quase, uma hora. O visitante olhou em seu relógio e percebeu que já era muito mais do que meia-noite. “Michel, já é tarde, a sua mãe vai voltar... Acho melhor desligarmos por hoje”. – “Você é muito medroso...” – insistiu o outro.
Álvaro, mesmo se tremendo por dentro, continuou seguindo o amigo para mostrar-lhe que não tinha medo de nada. Os seus passos eram os únicos barulhos que podiam escutar. Entraram em mais uma casa vazia, chamaram, mas ninguém atendeu. O garoto mais novo (Álvaro) entrou em um dos quartos e chamou o amigo. O outro se aproximou e percebeu que havia roupas em cima da cama. “Venha, vamos saber de quem são” – o mais velho se aproximou e tomou as roupas; mas, na mesma hora, as janelas do quarto se abriram e um vento muito forte entrou no recinto. “O que é isso?”- perguntou Álvaro com dificuldade. – Michel segurou a roupa e gritou para o nada: “Só devolvo quando você me disser pra onde ir” – Porém, neste mesmo momento, um cachorro muito grande entrou no quarto e começou a latir para os dois. Um cachorro preto muito grande. Os garotos se assustaram e correram para uma parte do quarto em que poderiam se encolher no canto.
Quando menos esperaram, um homem entrou no quarto e lhes disse: “Eu avisei que deveriam sair o quanto antes...” – os meninos perceberam que se tratava do mesmo homem de preto do beco. “Nós não vamos sair...” – disse o Michel. – O homem se aproximou do cachorro, acariciou a sua cabeça e disse: “Se não saírem em um minuto, deverão escolher quem ficará para alimentar a cidade”. – Os garotos não entenderam o que ele queria dizer. “Está querendo nos assustar” – repetiu o garoto mais velho. – Neste momento, o homem saíra do quarto, e, por sua vez, o cachorro voltou a latir e soltar grunhidos estranhos em sua direção.
“Michel, temos que sair daqui” – pediu o outro garoto apavorado. – “Nós não sairemos daqui sem, antes, finalizar o jogo”. – A escolha fora feita. Então, os meninos ouviram um sorriso maquiavélico e um barulho enorme de uma porta se fechando. Eles tremeram. Não era a primeira vez que o Álvaro se via sem saída. Os seus olhos brilhavam com o medo e ele tentava manipular o amigo para ir embora. O cachorro tentou avançar e, neste momento, os garotos subiram na cama. Ao subirem, perceberam que uma madeira havia quebrado e a cama quase desabou. Eles estavam, novamente, no mesmo nível que o animal, que, seriamente, latia desejando as suas carnes. Michel, desesperadamente, pegou o pedaço de madeira e pulou pra cima do cachorro... O animal sofreu as várias pancadas na cabeça e teve o seu sangue jorrado por todo o quarto.
Os garotos aproveitaram e correram. Álvaro gritava sem conseguir parar, não conseguia mais voltar ao seu estado normal. Michel, vendo isso, parou e se aproximou do amigo chacoalhando-o. “Preciso que você fique quieto... Você me convenceu, vamos sair daqui... Mas, eles não podem ver a gente”. – O garoto mais novo, após ser balançado de um lado a outro, ficara parado. Não dizia uma palavra sequer, não conseguia se mexer, estava em estado de choque. Michel arrastara-o com toda a sua força para o lugar de onde vieram. Precisavam sair daquela cidade, precisavam sair daquele jogo. Continuaram andando. Michel carregava o amigo pelo ombro com muita dificuldade de se mexer. Depois de muitos metros caminhados e de sorrisos macabros ouvidos, chegaram ao portão. Michel se aproximou e leu o anúncio: “Somente passa pela porta aquele que tiver a coragem de decidir pela vida”.
Neste momento, o menino se lembrou do conselho do homem de preto: “...deverão escolher quem ficará para alimentar a cidade” – O garoto mais velho sabia que ele tentava lhe dizer que deveria deixar o amigo ali; porém, a sua mãe sempre lhe ensinara a ser homem, trouxera o seu amigo e não o deixaria. Michel continuou tentando abrir o portão, tentou fazer de tudo... Usou a sua força, mesmo infantil e usou a inteligência... Nada fazia-lhe abrir. Cansou-se e olhou para trás. Neste momento, percebeu que o Álvaro não estava mais lá. Foi até o local onde deixara-o sentado e não conseguiu enxergar o amigo. Quando se virou para voltar à porta, assustou-se com o Álvaro parado à sua frente. “Que susto que me deu...” – Quando o garoto mais velho terminou de falar, viu o movimento rápido dos braços do amigo. Com uma pedra, Álvaro começou a acertar pancadas na cabeça do outro. Michel foi caindo ao chão com o sangue escorrendo. Os seus olhos abertos não acreditavam naquilo.
Álvaro terminou de estourar a cabeça do Michel, olhou para a pedra, levantou-se do chão e ergueu a sua mão direita. “Aqui está, eu escolhi sobreviver...” – Neste momento, o homem de preto se aproximou, sorriu, retirou o chapéu e disse: “A escolha foi feita, porém, será que você consegue viver, no seu mundo, sem o seu amigo?” – o menino ficou olhando para o homem de preto e disse: “Se ele fosse meu amigo, não me traria aqui”.
Neste momento, a porta se abriu, e o garoto mais novo entrou.