quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Prisioneiro do Próprio Corpo


Beto estava dormindo em sua cama; aquele feriado lhe ajudava a dormir mais. Não era muito fã de ir para a casa das outras pessoas e dormir no lugar de outrem, sempre gostara de se manter quente e acolhido no seu próprio espaço, no local em que o seu cheiro já estava impregnado. A sua mãe costumava dormir cedo, ficava bem cansada com o dia que levava e sempre caía no sono na hora da primeira novela. O seu pai, homem trabalhador e controlador, estava sempre tentando saber o que acontecia com o mundo; gostava de ver o noticiário, mas, quase sempre, acabava dormindo antes do final. Havia, por final, a sua pequena irmã que se chamava Dani.

Há algumas semanas, o garoto estava com muita dificuldade pra dormir, sempre ouvia barulhos, na sala, quando todos iam se deitar. Algumas vezes, ficava sem sonhar, a noite toda, por causa desses movimentos não desejados dentro do seu próprio quarto. Todas as vezes que isso acontecia, pedia que apagasse e não visse o que ocorria ao seu redor. - Nesta noite, tudo ia muito bem; como já esperado, às vinte e três horas, todos estavam dormindo. Em certo ponto da noite, começaram os barulhos. O corpo do Beto não conseguia se mover, o garoto tentava fazer de tudo para levantar e ir pro quarto dos seus pais; precisava, de uma vez por todas, terminar com esse martírio, mas não conseguira fazer nada, a sua mente funcionava, mas não havia movimento corporal.

O barulho foi aumentando. Desta vez, podiam-se ouvir vozes. O garoto sabia que alguém conversava no corredor entre o seu quarto e o quarto dos seus pais. A agonia tomava conta do seu íntimo. Ele queria se levantar, mas não conseguia reunir forças; era como se o seu corpo fosse mais pesado do que qualquer outra coisa que já tentara levantar. As vozes foram se aproximando aos poucos; Beto sabia que precisava sair, precisava avisar os seus pais. Porém, o que ele não esperava, era que as vozes dos seus pais se juntassem às vozes das outras pessoas que conversavam e o assustavam. “Meu Deus, o que está acontecendo? Por que os meus pais, também, falam com eles?” – A mente do garoto o importunava com essas perguntas.

A aproximação foi acontecendo e, por fim, as vozes chegaram, exatamente, ao quarto onde ele estava deitado. O seu corpo não se movia, era terrível. Era como estar enterrado em um caixão, soterrado e morrendo por asfixia. “Por favor, leve tudo, mas não faça nada com os meus filhos” – Fora, exatamente, o que o Beto ouvira a sua mãe dizer. Agora, a sua mente criara uma margem de horror muito grande, ele queria saber o que estava acontecendo, não podia fazer nada de onde estava. O seu pai tentava falar com as pessoas, mas não conseguia. O garoto ouvia a conversa e percebia que eles estavam desesperados, não queriam que nada de ruim lhes acontecesse. “Eles são tudo o que nós temos, por favor, não faça nada com eles.” – Isso havia assustado, ainda mais, o garoto que ainda não conseguira se levantar.

O primeiro baque foi ouvido. O pequeno grito, quase mudo, da mulher deixara o homem furioso. “Eu já falei que quero tudo que vocês tem aqui.” – A voz desconhecida soou mais ameaçadora. A mulher não pôde fazer nada. Ouviu-se o barulho do clique de uma arma. O pai de Beto tentou amenizar, pediu que os homens deixassem a casa, disse que não havia nada de valor ali dentro. Mais uma vez, Beto pôde ouvir os gritos da sua mãe. Ele sabia que os desconhecidos estavam fazendo algo com ela... Batiam, estapeavam e não tinham a menor pena. O garoto ouvia as súplicas da sua mãe, tentava mexer, mas não conseguia. Os seus olhos já estavam abertos. Ele conseguia ver os vultos e as imagens passando. De onde estava, percebia a movimentação, as vozes eram ouvidas, o sofrimento era sentido, mas nada podia ser feito. Ele estava, naquela situação, como um espectador.

De repente, o pai do garoto tentou investir contra os invasores e, pela primeira vez, ouviu-se o soar do tiro. O corpo de Beto se estremeceu, mas continuou imóvel. A mulher se desesperou, xingou, chamou pela filha. Tentava fazer com que o filho acordasse. Chamava o seu nome, gritava o seu apelido. Porém, nada havia de ser feito para ajudar a paralisação do garoto. Os invasores gritaram com a mulher: “Queremos a porra da grana, se você não entregar, mato a menina.” – Os olhos de Beto se arregalaram ainda mais. Não... Não podiam matar a sua pobre irmãzinha. Mais uma vez, o movimento foi agreste, forte... E o estalido se ouviu novamente. Depois de uma tentativa a mais de ameaça, outro baque fora ouvido... A arma disparara e matara a menina. “Não vou repetir... Eu quero a grana.” – Beto se lembrou... Era feriado, os vizinhos haviam viajado... Só ele poderia ajudar, mas ele não conseguia se mexer.

A mãe se jogou, na cama, tentando acordar o filho. “Pelo amor de Deus, Beto, acorde... Eles vão nos matar.” – Beto tentava se mexer, mas não conseguia. O horror em sua face era tremendamente absurdo, porém, a sua vontade não se transformava em realidade. Ele viu, com seus próprios olhos, o invasor chegando, pegando a sua mãe pelo cabelo, e dizendo pra ela: “Você escolheu... Agora, você morre...” – Lentamente, Beto viu o homem puxar um canivete e cortar o pescoço dela. Ele se desesperou... Em seu pensamento, se balançava com toda a sua força, mas, na realidade, o seu corpo não saía do lugar. Então, em seu campo de visão, apareceu o homem alto, com uma barba malfeita e com os olhos puro sangue – “drogado” – pensou ele.

“Esse é o último.” – Disse o invasor para o seu comparsa. Então, virou-se, olhou para o garoto e viu a lágrima escorrer pelo seu rosto. “É muito covarde... Nem se mexeu, não ajudou ninguém... Todos estão mortos?” – O companheiro respondeu que sim. “Mata esse também.” – O comparsa se aproximou, puxou o canivete, olhou nos olhos da sua vítima, sentiu, rapidamente, pena do garoto e passou a faca pelo seu pescoço. Naquele momento, Beto levantou-se da cama, desesperadamente, mas já não conseguia mais falar. Os homens saíram sem levar nada. Beto tentou gritar, tentou correr. Pegou o telefone, digitou o número da polícia... Mas não conseguia avisar nada. A sua voz não saía... O seu pescoço estava aberto... Não havia mais salvação.

6 comentários:

  1. Caramba, que triste.
    Uma vez, eu estava no hotel de Porto Alegre, e senti um sono gostoso tomando conta...Desliguei a televisão e deitei, era umas 11 horas da manhã, eu ia voar às 16:00. Daí, dormi de barriga pra cima com as mãos entrelaçadas sobre o peito, sem querer dormi assim. Tava confortável. De repente, senti meu corpo se elevar. Senti que eu saía da cama e comecei a ver o quarto do alto, sobre a cama. Tentei me mexer e não consegui. Comecei a rezar. Senti algo puxando meus braços para trás, como se fossem me algemar, e eu resistia,segurando minha mão com a outra, mas o puxão era forte. Enquanto isso eu rezava o "Pai Nosso" várias vezes. Meu corpo começou a balançar junto com a cama para um lado e para o outro, como que por castigo da resitência alguém quisesse brincar com meu corpo. O ponto fixo estava nos pés, e eu ainda rezava. Até que acordei num susto. Estava com as mãos entrelaçadas em cima do peito, barriga pra cima. Foi horrível.

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  2. É... A experiência é muito ruim... Na espiritualidade, chamamos isso de "Desdobramento" - é quando o espírito sai do corpo enquanto dormimos, mas, ainda assim, continuamos com algum controle sobre ele... É muito ruim...

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  3. Valeu, Pelosi... Muito obrigado por ter lido e comentado...

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  4. Eu sinto admitir que adorei ler isso... =)
    A linha do conto está perfeita!

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  5. Wooow... muito bom.
    Que final, espetacular.

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